Em outros textos tratei da nossa necessidade do “outro”; buscamos nele o afeto consistente. Expressamos isso na pré-adolescência ao buscarmos a amizade verdadeira; na adolescência queremos o amor “verdadeiro” e na maturidade questionamos o que há de errado: “o amor acabou?”.
Essa dúvida frequentemente é levada à terapia de casais.
Precisamos do “outro” para legitimar a nós mesmos – nossas qualidades, valores, importância. Precisamos do afeto consistente para nos sentir seguros.
A necessidade de obtermos essa consistência surge da consistência ou não que obtivemos quando nossa vida se resumia praticamente à vida sensorial e emocional. Das nossas vivências nessa época é que gravamos de forma indelével o quão importante é a consistência (para nós). Esse traço “de personalidade” – essa marca – influirá no como nos relacionaremos na vida conjugal.
Apesar da superficialidade com a qual a imagem feminina é “vendida” (aparência), foram as mulheres que sempre criticaram o traço volúvel do gênero masculino. Hoje essa queixa se distribui com quase igualdade entre os gêneros.
O texto abaixo trata dessa consistência afetiva e foi escrito para o meu blog “Filhos no Século XXI”:
“Homem é assim mesmo”, pai não!
Carly Simon escreveu “You are so vain” (clique aqui para ver e ouvir) supostamente para Warren Beatty, seu ex-namorado. Nas traduções da web encontramos: “Você é tão convencido” porém no conjunto a letra parece discorrer sobre a crítica feminina típica ao homem: – Você é inconsistente! (volúvel).
Homens eram muito mais inconsistentes que as mulheres na relação conjugal. Os homens assumiam essa condição e até mesmo o poder público referendou essa visão ao passar a entregar escrituras de casas populares em nome da mulher (quando o casal tinha filhos), uma forma de garantir que o patrimônio beneficiaria a criança.
Escrevi que os homens eram muito mais inconsistentes que as mulheres porque várias pesquisas nos anos 1980 e noventa (século passado) mostravam que a mulher traia tanto quanto o homem! De fato havia um viés ao menos em parte delas: as mulheres incluídas nas pesquisas eram mulheres mais independentes em função de terem uma “vida profissional”.
Até há poucas décadas se atribuía a infidelidade masculina a características ligadas ao sexo: a sexualidade masculina seria mais intensa, volúvel e superficial, diferente da mulher que buscaria o sexo vinculado com amor. Com as mudanças sociais começamos a ver que a mulher também pode se interessar por “sexo pelo sexo”.
O que vimos é que o homem era formado para ser “macho” o que excluía o afeto e carinho. Afeto e carinho masculino só era aceito socialmente se dirigido à namorada (e eventualmente à esposa)! Não era bem visto socialmente nem mesmo o carinho com os filhos; deveria ser sim um bom provedor. O antigo curso “normal”, que formava professores, era tipicamente feminino e o homem que se aventurasse nesse curso…
Independente do sexo, o ser humano precisa de vínculo emocional com seu semelhante e, em alguns momentos ele precisa ser expresso, o que se dá através do carinho/comportamentos afetivos.
No casal do século passado o “carinho” masculino era expresso pelo quão bom provedor ele era. Havia mesmo uma expressão de praxe, para designar um homem “bom”: ele “nunca deixou faltar nada em casa”.
Aquele homem antigo, represando a afetividade e expressão do carinho, encontrava uma única forma de vivenciar o afeto: no ato sexual. Com ou sem a aprovação social, no sexo acontece um enlace e uma entrega (há variações). Dessa forma sempre foi muito fácil ao homem, confundir o sentimento de afeto, com o desejo sexual; um eliciava o outro.
A mulher “dos velhos tempos”, podendo transitar amiúde pelo afeto, diferenciava este do erotismo com muita facilidade.
Alguns casos de pedofilia se explicam por essa “mistura” nas pulsões emocionais masculinas.
Dessa forma o homem, ao menos nos últimos cem anos, foi sim menos consistente nas relações afetivas, segundo o critério “fidelidade sexual”.
Isso tudo é uma introdução, para tratarmos do que é o tema central deste blog: filhos.
A mulher “de antigamente” é que dava consistência relacional para o desenvolvimento emocional sadio às crianças. O bloqueio afetivo masculino se não o incapacitava, desenvolvia incompetências específicas para as sutilezas desse trabalho. Esperava-se do homem a consistência como provedor e só.
Hoje a mulher tem uma vida profissional e, muitas delas, são as únicas responsáveis pelo sustento dos filhos. O que se pode notar é o desenvolvimento, nessas mulheres, daquela mesma “confusão” entre afetividade e sexualidade, presente nos homens “de antigamente” e o reflexo disso aparece nas estatísticas de problemas emocionais infantis.
No filme “Partículas Elementares” (que pretendo comentar aqui depois de vê-lo mais uma vez) de 2006, essa questão é abordada. A mãe de Bruno (e o pai) apresenta um comportamento relacional inconsistente e Bruno descreve um giro por problemas emocionais, sais de lítio, impotência e problemas relacionais. Nos comentários da web sobre o filme não é citada a interação (fator importante das partículas elementares), em relação às interações de Bruno e seu meio-irmão, com suas famílias, mas esse deve ser o foco de atenção ao se assistir a esse filme.
A sociedade mudou, as famílias mudaram. As relações entre os componentes de um casal são significativamente diferentes. Ao homem já é permitido alguma demonstração de carinho mas, em direção contrária, a mulher é mais lógica e um pouco mais “fria”. Os bebês e as crianças continuam, por outro lado, necessitando de consistência nas relações e de adultos significativos que falem sua linguagem: a linguagem do afeto.
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