Um grande choque entre algumas instituições (casamento), as necessidades humanas (pertinens), e a ordem social vigente (em rápida e significativa mudança), tem provocado grandes crises conjugais e, infelizmente, os casais têm tratado essa crise como se fossem simples “questões pessoais”. Não são.
Entendendo a libido como o desejo sexual instintivo, algo mais próximo do nosso aspecto animal, ela estaria presente naturalmente em todos os indivíduos (em diferentes graus) em toda a nossa história.
Ela é, então, bem diferente do erotismo, que os dicionários tendem a traduzir como “amor”, mas é inteiramente diferente daquele que assim chamamos ao tratarmos da relação de afeto. “Erotikos”, na origem, designava o escravo liberto e hoje indica a sensualidade, isto é, a libido que, liberada, permite a execução da satisfação do desejo.
O sexo, que aparentemente não permitiria nenhuma dificuldade de entendimento, hoje carrega dimensões sócio-políticas importantes face às alterações de poder e importância (papéis) nos dois gêneros (masculino e feminino). Em função disso a prática sexual se contaminou com essa disputa de poder: quem domina? Quem paga as contas? Quem lava a louça? Quem “respeita”? Quem tem e que “direito” é esse? Chegando a dificuldades complexas, mas aparentemente simples como: – Quem “procura”?
O casamento, como um bêbado, vive sob visões distintas e distorcidas: a primeira é aquela ainda impregnada em nossos genes em função dos dois séculos em que ele gloriosamente se firmou na possibilidade de cada pessoa escolher por si mesma seu cônjuge “por amor”. A segunda é a realidade nem sempre consciente de que o “amor” não implica na boa qualidade do relacionamento. Vivemos um pouco mais de dois séculos para descobrir que a livre escolha do par, o “cintilamento fusional” da paixão, a identificação com valores e demais características do “outro”, não garante uma boa qualidade à relação.
A libido masculina e feminina são diferentes? Em função de eventuais diferenças, como fica a prática sexual (principalmente quanto à freqüência, perguntam os homens). É preciso complementos eróticos para que “aconteça” a relação sexual?
O desejo está reduzido e aparentemente não há libido; é porque não há mais amor? (ou será que o relacionamento ficou árido em função das inúmeras pequenas ocorrências do cotidiano?
Queria casar? Queria o “outro”? Queria família (filhos)? Queria relacionamento/companhia?
Os homens desejam sim uma mulher moderna, porém a autonomia, independência ou mesmo sua “autoridade” os assustam. A mulher quer sim sua independência, autonomia e também seus direitos e “autoridade” sobre eles, mas e muitos momentos querem ser tratadas como “mulher”. O que é uma “mulher” hoje? O corpo mais que esguio das modelos de sucesso, que reflete o sonho de consumo para o corpo feminino, é aquele que aponta o confronto com a “madona”, não a cantora e sim a matriz, mãe, mulher maternal (o que nos remete ao amor incondicional). O homem entende que deve curvar-se ao feminino da madona, mulher dependente e maternal, mas não à Madona, cantora. O que é ser feminina? Há alguns anos isso incluía a maternidade; e hoje? Hoje há um grande conflito nesse aspecto, nem sempre no nível consciente (e em ambos os gêneros). Simultaneamente e em uma aparente contradição, emerge eventualmente o desejo de ser mãe, a certeza de que o homem é quem deve pagar a conta do restaurante e que não há nada de errado em receber flores e que lhe abram a porta do carro.
No homem acontece a mesma aparente contradição: é excelente a autonomia, independência, desde que não seja na hora de fazer sexo pois a independência pressupõe a possibilidade de recusa e aí surgem inúmeros efeitos, inclusive o sentimento de rejeição.
Em função de incontáveis conflitos que podem surgir nesse environment o casal pode definir que o relacionamento se esgotou e a saída é terminar a relação. Essa também é uma possibilidade moderna. Ainda vivem inúmeros casais para os quais essa possibilidade não existia!
De fato há um automatismo na busca do “outro” e o fazemos inconscientemente. A relação evolui e parece que se conduz, também automaticamente, para um estreitamento e a união. UNIÃO! Aí começam os problemas: a união me limita!
De fato somos dirigidos ainda pela idéia antiga de que casamos por amor e por isso as regras do relacionamento serão as regras do afeto. Infelizmente não é isso que acontece; todo o conjunto de questões acima indica que não são as regras do afeto que efetivamente vêm regendo a relação no casamento e sim a competição pela auto-afirmação do gênero. As dificuldades mais comuns dos casamentos atuais estão, dessa forma, vindo de fora dele.
Não é possível manter uma relação nos moldes “antigos”, porém sob as regras atuais. Pelo menos ainda não aprendemos o como fazer isso.
A libido ficou reduzida? As clínicas que tratam dos distúrbios sexuais sabem que a maioria dos homens que buscam solução para a impotência… não são impotentes. Fetiches, artifício eróticos resolvem?
Odiamos essa ideia, ficamos aturdidos com essa possibilidade, mas… olhe, considere, veja como as coisas estão se dando. Olhe e realmente veja para que possa, dessa forma, tratar dos problemas conjugais com boa possibilidade de sucesso.
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