O Desenvolvimento Humano, a criação dos filhos, pressupõe que o adulto é “construído” em camadas que se somam enquanto sofrem alterações e ajustes. A base inicial é dada pelo “adulto significativo”, normalmente os pais, e por isso mesmo não só através da herança genética, mas principalmente em eventuais correções feitas à ela.
Mesmo nos primeiros estágios da formação o resultado final se delineia através da estrutura básica chamada de “matriz de relação”, que abrirá ou fechará portas de relacionamentos, aprendizagens, crescimento.
Dessa forma o papel dos pais é, de certa forma, mágico.
Pais e mães têm um poder mágico: gerar pensamentos, comportamentos e atitudes em seus filhos, além de transformar pensamentos, comportamentos e atitudes indesejados.
A natureza constrói o cérebro que traz com ele algumas tendências instintivas; o adulto significativo (pais?) constrói a mente.
Empreguei a palavra mágica primeiro porque o poder dos pais é tão grande que, como em uma mágica, extrapola aquilo que consideramos normal e em segundo lugar porque os próprios pais não acreditam que sejam capazes de realizar tamanha criação ou transformações.
O conhecimento desse poder não estava disponível até há pouco tempo, porém hoje é o desconhecimento ou omissão dos pais quanto ao seu poder formador que permite que os filhos cresçam sob a influência dos outros agentes da formação. Com isso pode acontecer que esses pais, atônitos, se defrontem com um filho adolescente aparentemente desconhecido quanto aos valores, caráter e comportamentos inesperados.
As primeiras mágicas acontecem ainda na gravidez. Mesmo na gestação o bebê já recebe dos pais forte influência. As mais conhecidas e críveis são aquelas que passam pelo meio físico – através do cordão umbilical e líquido amniótico. Uma pesquisa demonstrou que o nível de cortisol em crianças de 10 anos em cuja gestação a mãe teve um longo stress, é muito mais alto do que o nível encontrado em crianças da mesma idade cuja gestação não teve essa característica. Mais mágicas ainda, parecem ser outras influências que aparentemente não provêm de um meio físico: os bebês, durante a gestação, já podem “entender” suas mães – mães tranqüilas que cantam e embalam seus bebês, os tranqüilizam. Eles podem também “prestar atenção” à conversa dos pais. Esse seria o primórdio do pensamento.
Em função do que ocorre na gestação, o bebê nascerá como uma criança tranqüila, agitada, chorona, exigente, “brava” ou com qualquer das características que atribuímos à herança genética. Não que essa herança não exista; existe sim porém são os pais, através da vivência que proporcionam ao bebê, que lhe dão ou não “força”.
Do nascimento aos dois anos é que essa mágica se torna bem visível. A criança que praticamente só tem sensações ao nascer, vai desenvolvendo o sentimento, paralelamente com o pensamento. Surge a memória e uma infinidade de ações que dela dependem, além de elaborações mentais sofisticadas das quais não nos damos conta. A mágica bem visível dessa fase é que os pais, através da vivência que proporcionaram ao filho, criam os pensamentos, sentimentos, comportamentos. Apenas como exemplo: pronunciar uma palavra, lembrar o significado dela, equilibrar-se sobre duas pernas e movimentar-se (reconhecer um rosto, uma voz, uma atitude…), sentir alegria ou tristeza, não surgem do nada ou da natureza; são criados pelos pais. Da mesma forma, tristeza, irritação, explosividade, submissão, intolerância, também não nascem do nada.
Costumo dizer que nenhum bebê tem má índole, porém é comum dizermos que um adolescente ou adulto tem a má índole. A tendência é que os pais desses adolescentes atribuam o descaminho do filho às más companhias! Não é assim que ocorre; o caráter se forma aos poucos, em camadas, de forma que muito raramente uma personalidade bem formada estabelece laços com pessoas de má índole e, por isso mesmo, quase nunca se desencaminha.
Caso tenha havido aprendizagens indesejadas na fase anterior (gestação), nesta fase é possível transformá-la. A velocidade de criação de sinapses no cérebro é espantosa nesta fase e a criança é ávida por aprender e transformar-se. Ela aprende tudo: o que lhe é ensinado e também o que não é ensinado mas ela vivencia e elabora. Então, mesmo que os pais aperfeiçoem aprendizagens indesejadas da fase anterior, pode acontecer de que a criança tenha novas aprendizagens indesejadas já que é comum que as crianças tenham outras fontes de aprendizagem. Por isso os pais devem estar orientando o tempo todo para ir formando a base da personalidade conforme desejam ao criar boas atitudes e transformar as indesejadas.
Dos dois aos 5/6 anos a aprendizagem ocorrida na segunda fase (0 a 2 anos) é colocada em prática, expandida e solidificada. Nessa fase é estruturada a base do raciocínio abstrato e do pensamento complexo, acontece a expansão da vida social, o que permite um número maior de aprendizagens de atitudes e comportamentos improdutivos/inadequados. Por tudo isso é que o papel dos pais torna-se ainda mais importante. Caso a criança não tenha tido estímulos para a expansão do raciocínio ou para o comportamento social na fase anterior, este é o momento para corrigir essas lacunas.
Mesmo que a velocidade na criação de sinapses já não seja tão grande quanto na fase anterior, mesmo assim ela é ainda assombrosa! Consolida-se a “matriz de relação” estruturada pelas vivências nas fases anteriores. Nessa consolidação o poder transformador dos pais ainda é significativo, tornando-os capazes de promover alterações nos alicerces desse edifício que abrigará a personalidade e o caráter.
Dos 7 aos 11/12 anos é que os pais passam a ter relativamente menor poder, comparando com as outras fontes de aprendizagem. Não só professores têm influência, mas também os amigos e outras fontes de informação (tv, internet, revistas, etc.). Nesta fase se desenha melhor o que entendemos como personalidade, pelo menos as bases dela. A aprendizagem já se faz mais pela via racional. É por isso que correções não efetuadas nas fases anteriores exigem um esforço maior para que aconteçam.
Dos 13 aos 17 anos a independência dos pais, que aconteceu gradualmente desde o nascimento, precisa ser explicitada. O “livre arbítrio” se torna mais visível. A personalidade adquire contornos mais nítidos se bem que a inclusão em grupos (amigos?), também visando o rompimento com a fonte anterior de formação, provoca uma aparente homogenização. As transformações de comportamentos indesejados adquiridos nas fases anteriores se torna bem mais difícil e a tendência é que esses comportamentos se consolidem e se ampliem. O papel dos pais passa pela prova mais difícil. Apesar do raciocínio lógico bem desenvolvido, o cérebro ainda está em formação e o adolescente não dispõe ainda de recursos importantes para a independência, como por exemplo, sua capacidade de julgamento previsão, antecipação de conseqüências de seus comportamentos, é ainda frágil e dependente de todos os conceitos adquiridos (dos pais?), nas fases anteriores.
Dos 18 aos 25 anos o adulto se consolida. Os pais, caso tenham perdido importância na fase de ruptora anterior, poderão readquirí-la em um momento posterior. As alterações sofridas nesse período tendem a passar através do crivo racional o que as torna menos freqüentes e menos profundas.
Exemplificando: Uma criança com menos de dois anos, que é quando a matriz de relação está sendo formada, depois de saciar-se, joga o alimento que restou no chão e começa a brincar com ele.
Esse é um comportamento normal da criança e há inúmeros impulsores para isso, desde a curiosidade, impulso para a atividade, ocupar-se com o mais imediato (a fome passou e o mais imediato é “brincar/descobrir”). Vamos supor que isso nunca ocorreu e ela não recebeu ainda nenhuma orientação quando à higiene/educação quando aos alimentos.
Esse fato corriqueiro pelo qual a quase totalidade das crianças passam, pode gerar inúmeras diferentes bases de comportamento futuro na matriz de relação da criança; algumas possibilidades:
- O “adulto significativo” (pai, mãe, avó, “tia” da escolinha) está por perto e logo que a criança mostra não querer mais o alimento por começar a brincar com ele, pega o que restou do alimento, diz “não” àquele comportamento, devolve-o à criança e o pede de volta. Quando a criança o dá, o adulto comemora e recompensa a criança com sorriso, carinho, beijo, etc.. A criança incorpora em sua matriz de relação o agir produtivamente para receber recompensas.
- Caso a situação seja semelhante ao ocorrido no item 1, porém ao invés de recompensa, o adulto exige que o alimento seja entregue a ele e a criança é punida quando isso não acontece, a matriz de relação da criança pode incorporar a informação de que o “outro” (o que é externo a ela) é mau, capaz de machucá-la e pode:
a) tornar-se subserviente ou b) tornar-se rebelde (revolta), dependendo de outras vivências. - O adulto só descobre o que a criança está fazendo depois que há muita sujeira, se irrita e age fazendo chantagem emocional, dizendo que ficou triste, que a criança não deve agir assim, que vai chorar, etc., passando a limpar a sujeira sem contato visual ou verbal com a criança. A criança pode entender e pegar algum pedaço do alimento que ainda reste, e jogar no lixo, (como viu o adulto fazer). Caso o adulto não comemore essa atitude da criança e só depois de algum tempo volte a se relacionar com ela, a criança pode incorporar em sua matriz de relaçãoque ela deve agir corretamente que isso será “reconhecido” mais tarde (fim da tensão do evento alimento/sujeira). Quando adulta poderá não buscar ser recompensada pelas suas realizações e sim “esperar” ser reconhecida pelo seu trabalho. Se isso por si só não fosse um comportamento improdutivo, ele pode ter decorrências como:
a) É infeliz por sentir-se usada pelos demais, não obtendo recompensa pelas suas realizações. b) Deixa de realizar porque não recebe o reconhecimento que “espera”. - O adulto se irrita, briga, diz que a criança é má, limpa a sujeira e fica bravo por um bom tempo, sem estabelecer contato com a criança. Caso em outras situações o desenvolvimento seja semelhante, a criança passa a sentir-se má e poderá continuar fazendo “maldades” pois:
a) não aprendeu a fazer de outra maneira. b) não há como evitar as consequências da “maldade”. - O adulto pega a criança e leva para outro local, volta e limpa a sujeira. Quando isso se repete na maioria das situações:
a) esse adulto poderá deixar de ser significativo para a criança. b) a criança tende a desenvolver ansiedade, depressão, agitação, etc..
Nós pais/mães, adultos significativos na vida de nossos filhos, vamos construindo a mente deles e definimos então o quanto eles serão capazes de realizar produtivamente seu potencial. Essa construção se dá a cada minuto durante 20 anos e é feita camada a camada, sendo que erros e falhas podem ser corrigidos com facilidade de imediato ou na camada seguinte, nas posteriores haverá maior dificuldade. O resultado final é o retrato da nossa capacidade de realização.
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