Chamamos de Transtorno do Deficit de Atenção (com ou sem Hiperatividade) uma série de comportamentos que julgamos inadequados principalmente por diferirem da média da população. Alguns desses comportamentos são comuns às crianças desatentas e às hiperativas, porém alguns sintomas parecem mesmo serem opostos. Boa parte desses comportamentos era, há pouco tempo, alvo de crítica dos pais e professores, agregando então o sentimento de culpa. Hoje, ao contrário, a nomeação desses comportamentos como “doença”, atribui uma condição liberalizante à sua continuidade.
Identificação
Crianças com Deficit de Atenção
– Podem ficar sozinhas em atitude “contemplativa”, quietas, sem nenhuma atividade.
– Podem causar impressão de não ouvirem bem.
– Podem parar um jogo ou brincadeira depois de pouco tempo como se tivessem se desinteressado dele.
– Desviam a atenção de um programa de TV quando qualquer estímulo ocorre no ambiente.
– Podem deixar de responder a uma pergunta ao aparentemente se “desligarem” daquele contato.
– Após um comando como: “Vá buscar a vassoura na…”, pode ir, mas poderá abstrair-se em uma brincadeira com algo que encontrou no ambiente e não executar o comando dado.
– Na escola destaca-se por não seguir instruções nem concluir tarefas/atividades.
– Caso em uma sala uma pessoa desconhecida lhe dirige a palavra, pode ignorar a pessoa, ignorar a pergunta ou não responder mostrando-se intimidada.
Hiperatividade
– Podem causar a impressão de não ouvirem bem.
– Parecem necessitar estar em movimento o tempo todo, não conseguindo ficar sentadas mesmo por curtos períodos.
– Frequentemente têm o tom de voz elevado.
– Parecem falar o tempo todo.
– Resistem ao descanso e sempre apresentam motivos para não irem dormir.
– Parecem buscar emoções fortes e procurar situações de risco.
– Tendem a esbarrar em coisas e pessoas.
– Mostram-se impulsivas, antecipando-se a ocorrências ou ordens estabelecidas.
– Frequentes atitudes intempestivas e/ou agressivas.
– Evidente dificuldade social.
Origem
As pesquisas médicas têm definido a etiologia em fatores neurobiológicos, indicando ou um deficit funcional de neurotransmissores ou um deficit funcional no córtex pré-frontal. A transmissão genética também é tida como verdadeira.
Precisamos estar atentos para o fato de que o deficit funcional de neurotransmissores, assim como alterações anatômicas do cérebro podem ter origem no próprio funcionamento do indivíduo em função das suas vivências, pela utilização que é dada a determinadas áreas e processos cerebrais. Se nós admitimos e cultuamos a plasticidade e adaptação cerebral, necessariamente devemos admitir que ela ocorre em qualquer sentido e direção.
A transmissão genética é plausível e é inquestionável quando há sintomas determinados no nascimento, porém, após a inclusão dos contatos interpessoais há fatores relacionais interferindo no processo, o que justifica os casos de TDA/H nos quais o transtorno não está presente nos pais.
Uma Distinção Necessária
Além dos casos de TDA/H devidos a fatores neurobiológicos de causa desconhecida, nos quais possivelmente uma das únicas alternativas atuais seja a utilização de fármacos para reduzir a ocorrência dos comportamentos socialmente indesejáveis, mesmo sabendo que outros comportamentos também sejam inibidos, ou haja outros efeitos indesejáveis. Torna-se necessário contar que o maior percentual de incidência desse transtorno ocorra devido a uma segunda forma de TDA/H cuja origem é conhecida: fatores relacionais.
A presença do TDA/H em crianças cujos pais não apresentam esse transtorno vem indicando a origem da segunda forma desse transtorno, pois nesses casos estão presentes:
a) insurgências externas que tiram a criança (na gestação e/ou primeira infância) do foco de atenção da mãe;
b) ao menos um dos pais (a mãe mais frequentemente), apresenta um quadro de labilidade afetiva/descontrole emocional, com a presença de explosões emocionais ocasionais, oferecendo respostas inesperadas desde a elevação da voz, rupturas intempestivas no contato, até violência (física ou não) despropositada;
c) a falta de sensibilidade ou empatia e/ou rejeição do papel ma(pa)terno.
Na sua origem relacional essas disfunções têm origem na gestação ou na primeira infância, quando a criança não capta os sinais externos de forma organizada, fazendo que o que lhe é externo seja algo “incompreensível”. Essa incompreensão possivelmente é o propulsor do alheamento no qual as principais normas – o “modus operandi” – dos contatos seja ignorado. Em função disso é que os portadores desse transtorno são identificados pela “cara de sono” (deficit de atenção – alheamento) e “cara de susto” (hiperatividade – estupefação/incompreensão).
Sua ocorrência é comum quando um dos pais também é portador do transtorno ou de outras doenças psíquicas que comprometem seu comportamento relacional. Pesquisas indicam a herança genética como fator importante, porém também foi possível demonstrar a maior incidência entre irmãos de mesmos pais que entre meio irmãos e, neste caso pode-se conjecturar a influência das relações. Por conseguinte encontrou-se mais casos quando os pais apresentavam desordens no comportamento, fossem pais biológicos ou adotivos, indicando novamente a origem relacional.
Incidência
A hiperatividade incide quatro vezes mais em meninos e o deficit de atenção é mais frequente nas meninas. Por ter função relacional, os meninos respondem à incompreensão com a combatividade (e agressividade – efetivamente a impulsividade) masculina, e as meninas respondem com o afastamento/fuga, comportamento mais frequente entre as mulheres.
Nos países europeus tradicionais, onde a organização social influencia positivamente a forma de vida dos casais assim como a conduta parental, a incidência do transtorno é baixa, estando em torno de 0,01%. Nos EUA, dados de 1990 indicavam uma incidência de 3 a 5% da população e hoje os dados indicam assustadores 8% o que aponta para a distinção diagnóstica e também para a relação pais/filhos como fator desencadeante!
No Brasil é nítida a diferença da incidência maior nas grandes capitais e baixa nas pequenas cidades do interior.
Efetivamente o estilo de vida nas grandes capitais contribui para a maior incidência. Discute-se também a questão do diagnóstico que, com base clínica, está sujeito às diferenças de critérios. Há quem defenda que o diagnóstico não deve ser feito antes dos sete anos de idade. Se esse procedimento é positivo por um lado, evitando falhas devido às diferenças individuais, por outro dificulta um trabalho de remissão que é tanto mais eficiente quanto mais cedo executado.
Prognóstico e Tratamento
Em parte dos casos há a remissão espontânea dos sintomas na vida adulta. Alguns dos sintomas podem ser controlados com o uso do cloridrato de metilfenidato, porém não há sucesso em outros casos, tanto na dosagem brasileira quanto na utilizada nos EUA, que é dez vezes maior.
A remissão dos sintomas se dá efetivamente ao eliminar-se a causa, quando a origem é relacional (desenvolvendo as relações “eu/mundo”) e à frente descrevemos algumas formas de promover esse desenvolvimento. Por ser um desenvolvimento que se dá através da relação, nem sempre há sucesso e o motivo principal e a indisponibilidade dos pais/cuidadores para essa tarefa.
Reconstituição de falhas relacionais
Destaco a regularidade como um primeiro ponto onde uma disfunção pode ocorrer e, por isso, esse deve ser o primeiro ponto a ser reconstituído. Um cuidador (mãe) ansioso, “ausente” ou com descontrole emocional tende a apresentar alguma desorganização e irregularidade em horários (banho, alimentação, troca de fraldas, sono, etc.) assim como no volume de voz, e na presença/ausência de estímulos (berço/colo; fala, riso, ninar, manhês, etc.).
Compreender o “outro” é a tarefa da criança, senão única, a fundamental desse período. A regularidade/ritmo é o primeiro indicador para uma compreensão possível ao bebê – de uma organização (construção mental) do mundo externo, pelo ritmo percebido nas diversas ocorrências de sua vida, inclusive a adaptação do seu relógio biológico.
O primeiro ponto é o ritmo. Se há suspeita de distúrbio de atenção é porque a criança já tem dois anos ou mais. É necessário reensinar ritmo, rotina, regularidade. Defina horários e vá aproximando a rotina da criança a esses horários. Introduza na vida da criança tudo que possa auxiliá-la na compreensão do andamento, compasso, tempo.
Coloque em seu quarto um relógio que faça o “tic-tac” ou, na sala, um relógio que sinalize sonoramente as horas ou quarto de hora. Toque música clássica diariamente enquanto a criança brinca, em volume audível, mas não elevado.
Depois de estabelecida a rotina são possíveis eventuais exceções, por exemplo, nos finais de semana, com um único cuidado de não transformar essa saída da rotina em um prêmio.
O segundo e definitivo ponto que estabelece a ansiedade e incompreensão relacional é a irregularidade de humor do cuidador (ou apatia). O cuidador que não tem a criança como centro do processo relacional e, ao invés disso, se relaciona com ela a partir das suas necessidades/estados de humor, apresenta frequentemente situações acima da capacidade de compreensão da criança. Isso deixa a criança sem a oportunidade de aprender a seu tempo e condições, como é o “mundo externo” e como se dão as relações.
Temos com isso ansiedade e carência de relações/contato (aceitação) ou alheamento. Os sintomas adicionais da TDA/H como impulsividade e variações de humor são aprendidos com o exemplo do cuidador e/ou decorrências das vivências (sentimento de rejeição) e visão desorganizada (caótica) do que lhe é externo.
É necessário neste caso estabelecer um vínculo relacional consistente com a criança. O “adulto significativo” deve rever seu comportamento para poder oferecer a relação que a criança precisa; se isso não for possível, é necessário que a criança estabeleça esse relacionamento afetivo consistente com outro adulto significativo (não necessariamente uma troca e sim acrescentar uma nova relação). Esse “adulto significativo” deve construir laços de pertinência com a criança (ver pertinens).
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