Jean Paul Sartre cunhou a frase: – O Inferno são os outros. Não há porque duvidar; cada pessoa constrói sua realidade ou, dizendo de outra forma, vê o mundo através de seus óculos exclusivos, podendo vê-lo grande ou pequeno, colorido ou não, conforme descrevemos no capítulo 3. Por isso duas pessoas quase nunca têm a mesma percepção sobre uma mesma ocorrência (exceto quando estão apaixonados, o que trataremos mais adiante).
“EU”, inicialmente, sou o centro do universo e só a duras penas vamos aprendendo a lidar com esse tal de outro. Não entendemos o outro e o outro não nos entende mas, apesar disso, há uma outra mágica neste nosso mundo psíquico: imagine que você passe diante de um espelho e. de realce, de uma olhadinha nele. Imagine que nessa olhadinha você não se veja! O esperado é que você perceba que há algo de errado e volte alguns passos para olhar, agora atentamente, para o espelho. Imagine que nesse olhar atento, você veja no espelho apenas a parece que está atrás de você! Um calafrio: porque você não aparece no espelho?
Imagine ainda que você vai jantar e seu cônjuge e seus filhos não o cumprimentem nem olhem para você e, quando você estende a mão para pegar o prato de salada que “passa” pela sua frente, quem o transporta não interrompa esse transporte para que você o pegue mas, ao contrário, deposita-o na mesa, longe de você. Imagine que, além de não olharem para você, falam entre si mas não respondem se você fala alguma coisa. Que sentimento te surgiria? As respostas mais comuns são: – eu morri; – sou um fantasma! Podemos dizer de outra forma: – Não existo!
Esse é apenas um exemplo para poder explicar o sentido da afirmação que diz: – Só existimos porque existe o outro! Nossa existência depende do outro ou, dizendo de outra forma: – Precisamos ser reconhecidos! (que reconheçam nossa existência).
Tirem nosso crachá (nosso emprego), nossa família e amigos e nos deixem, sem casa, andando pelas ruas. A primeira coisa que faremos será arrumarmos um cão para nos relacionar; o cão nos reconhecerá e nos permitirá continuar existindo.
O bebê sorri ou diz dadá e precisa que alguém sorria em troca, fale ou brinque com ele para se sentir existente – reconhecido (e também para aprender, ou melhor, para desenvolver o que chamamos de inteligência). Quando ele não tem essa resposta do outro, perde peso, deixa de sorrir, deixa de olhar nos olhos, se alheia… do mundo (e adoece na esmagadora maioria das vezes).
O terrível é que precisamos do outro e não o entendemos nem ele entende a nós! Esse é o aprendizado que dura quase toda a nossa vida. Pelo menos um pouco alguém nos entende e esse alguém é quase sempre a mãe. E quando a mãe ou seu substituto não nos entende? Vamos deixar essa resposta para depois.
Temos então, na nossa vida o EU e o OUTRO. Mas o outro não é apenas o diferente de nós e sim o que nos dá existência. Dessa forma surge, permeando essas duas figuras, oPertinens, isto é, aquele que sei ser OUTRO e que sei também que, por me reconhecer, me aceitar, me dá existência. Esse é um dos principais papéis da mãe.
No exemplo do espelho acima, o outro me dá existência, mas nesse caso, eu soupertinens a eles.
Quando dizemos: o Jorge da Teresa, o Jorge da Petrobrás, o Jorge carioca, o Jorge palmeirense, o Jorge do Rotary, o Jorge do PCC, estamos identificando a que ou a quem o Jorge é pertinente. O Jorge não pertence à Teresa nem à Petrobrás mas é pertinente a elas é com elas que ele de alguma maneira se identifica e é reconhecido e, por isso,pertinens.
Quando não somos reconhecidos, definhamos mas, se já fomos reconhecidos, vamos buscar esse reconhecimento à qualquer custo, mesmo que de forma negativa, incendiando a casa, cortando os pulsos ou sendo desastrados, como sempre a mãe repetia, buscando ser pertinens a seja lá o que for, inclusive àquela imagem negativa que a mãe, impudentemente dizia, tentando corrigir um comportamento meio atabalhoado…
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