Está se reduzindo o tempo com que novas doenças, transtornos e síndromes psíquicas entram em moda. Tínhamos um período de quase duas décadas antes que um novo modismo nos acometesse, mas esse período se tornou mais curto. A depressão continua, sim, como um quadro de preocupação perene, mas tivemos nas duas últimas décadas o auge do TDA/H (principalmente a hiperatividade) e, um pouco mais recentemente e ainda em seu auge, a Bipolaridade.
Hoje temos em ascensão a Borderline, que alguns tratam como distúrbio, outros como transtorno e ainda como síndrome. Na verdade não é nada novo, porém hoje reuniu-se sob esse título uma gama definida de sintomas como:
- Oscilações de Humor
- Irritabilidade e Agressividade
- Depressão
- Comportamento auto-destrutivo
- Baixa auto-estima
- Medo de abandono
- Dificuldade para lidar com as emoções
- Mudanças nos círculos de amizade
- Dificuldade para estabelecer objetivos
- Alta sensibilidade
- Uso de álcool e drogas
(veja o Blog da borderlinegirl)
Não é dificil notar que esses sintomas (em todo ou em parte) estão presentes também na Depressão, na Hiperatividade (TDA/H) e na Bipolaridade.
De fato o nome Borderline surgiu para indicar comportamentos que não eram socialmente bem aceitos porém não tão graves ou intensos a ponto de serem considerados uma “doença”, colocarem em risco a si ou a outros. Acontece que a sociedade mudou muito desde o surgimento do Borderline e destaco as mudanças mais importantes que justificam a ascensão do borderline:
- os papeis sociais de cada um dos gêneros se flexibilizaram
- a formação afetiva mudou drasticamente
• os limites comportamentais passaram a se fixar na punição e não em valores
Curiosamente há estudos indicando que o Borderline acontece principalmente em mulheres (75% !) e também curiosamente podemos notar que a totalidade (ou quase) dos sintomas indicados acima como sendo do Borderline eram os sintomas que há mais de um século indicavam o tratamento da Histeria !
A sociedade atual precisa muito de um título e de algumas cápsulas! Não estou negando, com isso, a existência de disfunções bio-químicas que podem alterar o comportamento. Alerto apenas para o cuidado necessário no diagnóstico. Há, por exemplo, inúmeros comportamentos borderlines que estão fora da lista padrão de indicadores que incluí acima.
Há o borderline que apenas é “grudento”, há o que prima pela falta de iniciativa e da busca da máxima segurança, há o que amorteceu quase que totalmente sua empatia e dá primazia à lógica, há o incapaz de vincular afeto com sexo, enfim são muitas e muitas as formas que encontramos para nos proteger (ou indicar) nosso sofrimento afetivo.
Uma dica: verifique se o sintoma que incomoda (mesmo que esteja sendo chamado de borderline) surge quando ocorreu uma situação que gerou sentimentos de rejeição, abandono, desamor. Se for isso esqueça o nome e saiba que você é normal e, talvez, como disse o Cazuza, exagerado(a). Procure conhecer mais de si e buscar uma maior integração consigo mesmo(a).
Já escrevi em outros textos que um pouco da verdade podemos encontrar nas canções populares. A canção popular pode dizer algo com o que a população se identifica e torna essa canção um sucesso. Lenine canta “Hoje eu Quero Sair Só” (clique aqui para ouvir) e descreve uma dificuldade bem característica nas relações afetivo-sexuais duradouras de hoje. Será que precisamos viver esse drama que opõe “será que a gente deu um nó” com o “hoje eu quero sair só”. Não, não precisamos. Há um conflito individual a ser resolvido e, caso não seja, é inútil trocar de par já que o conflito será levado ao novo relacionamento.
Se você quer me seguir
Não é seguro (consciência do problema individual?)
Você não quer me trancar
Num quarto escuro (sensação de opressão quase sempre presente?)
Às vezes parece até
Que a gente deu um nó (ser oprimido ou medo da ligação?)
Hoje eu quero sair só (a solução é romper?)
Você não vai me acertar
À queima-roupa, não (o outro o está “matando”?)
Vem cá, me deixa fugir (deixar = dependência X fugir = independência)
Me beija a boca
Às vezes parece até
Que a gente deu um nó
Hoje eu quero sair só
Não demora eu tô de volta (dependência X inconsequência)
Vai ver se eu tô lá na esquina (agressividade)
Devo estar
Já deu minha hora (é urgente essa necessidade de fuga)
E eu não posso ficar
A lua me chama
Eu tenho que ir pra rua
A lua me chama
Eu tenho que ir pra rua
Hoje eu quero sair só!
Hoje eu quero sair
Você não vai me acertar
À queima-roupa, não
Vem cá, me deixa fugir
Me beija a boca
Às vezes parece até
Que a gente deu um nó
Hoje eu quero sair só
Não demora eu tô de volta
Vai ver se eu tô lá na esquina
Devo estar
Já deu minha hora
E eu não posso ficar
A lua me chama
Eu tenho que ir pra rua
“A lua me chama” tem o apelo poético de sair para algo indescritível como a “noite”, porém a Lua mitológica (Lilith) significa a Mulher, a primeira mulher de Adão, a mulher criada por Lúcifer (a serpente do jardim do Éden) e mesmo que conscientemente a intenção seja sair à noite sozinho, ambos (o casal) podem reagir a esse simbolismo de forma mais ou menos intensamente. Um casal pode, eventualmente, lidar bem com a “saída” de um deles na noite, porém isso pode indicar uma relação não saudável quando houver o “ Já deu minha hora e eu não posso ficar, a lua me chama; eu tenho que ir pra rua” (a urgência de se afastar e/ou a prioridade a terceiros) e o outro responder de forma emocional intensa com um dos indicadores citados acima (sentimento de rejeição, depressão, agressividade, auto-mutilação, irritabilidade elevada, etc.).
Nesse caso eles se complementam já que um dispara e o outro se lança e, naturalmente o remédio pra isso não está na farmácia.
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