Certamente não está inscrito no texto de Carlo Collodi As Aventuras de Pinóquio, um código secreto para iniciados, mas a versão de Disney, em animação cinematográfica, nos brinda com exemplos esclarecedores (e mesmo estarrecedores) sobre questões atuais para as quais buscamos explicações e cujo entendimento encontra-se dificultado por estarmos ainda vivendo as transformações sociais intensas que alteram indelevelmente instituições centenárias e algumas milenares.
Falamos da dificuldade que temos de entender o porque de crianças ainda mesmo no ensino fundamental, experimentarem drogas ilícitas, outros escolherem viver nas ruas ao invés do convívio com os pais, e ainda aquelas notícias de jornais onde uma adolescente planeja a morte dos pais aliada ao namorado.
Nos causa estranheza que meninos de 10 anos entrem armados em uma escola e matem professores e vários de seus colegas. Por quê? Pinóquio nos ajuda a decifrar esse código.
Os “pecados” do Pinóquio são menores, naturalmente, já que o livro, escrito em 1881 e mesmo o filme, de 1937, mostram, ao nosso ver, pequenas as maldades do Pinóquio como, por exemplo, mentir para a fada (e o preço de cada mentira era o crescimento do seu nariz!).
Preso em uma gaiola na carroça de Stromboli, dono do circo, Pinóquio chora, lamentando sua sorte, o que faz surgir a fada. Ela pergunta como se meteu naquela situação e ele inventa histórias mirabolantes nas quais os responsáveis pela sua sorte são sempre terceiros.
Bem, Pinóquio não era realmente mau; mentia para se proteger. Talvez esse fato seja o início da interpretação do código que nos perturba e dificulta nosso entendimento: Pinóquio estava em busca de algo e a fada era a figura-chave que poderia ajudá-lo a alcançar seu objetivo. Ele fez escolhas, tomou decisões e as circunstâncias levaram-no a situações embaraçosas que o faziam sentir-se culpado. Mentir era então a única forma encontrada para não perder o apoio da fada (e se ao invés da fada, seu benfeitor fosse um traficante?).
Nesta altura do relato o mais fácil é pensar que Pinóquio seria culpado, no mínimo, pelos seus desejos não comedidos. Pelo menos é assim que são interpretados os desejos dos protagonistas dos descalabros que aparecem nos jornais.
Pinóquio estava na carroça do circo de Stromboli porque desejou ser rico e famoso. Por que queria riquezas e “estar na mídia”? Esse desejo de estar na mídia, também muito explorado nas novelas, nos faz cometer outros erros na interpretação desse código. Pinóquio não era mau por desejar ser rico e famoso mas esse desejo o levou a atitudes repreensíveis e/ou, ao menos, perigosas para si e para outros.
Antes do desejo de ser rico e famoso havia um outro: ser reconhecido, ser querido. Ser reconhecido é o propulsor básico do ser-humano, mas as mudanças sócio-econômicas das últimas décadas enfatizaram de forma significativa esse combustível. Novamente temos aí um outro porque.
Não são apenas os estímulos (externos) que exacerbam a busca do reconhecimento. O reconhecimento do qual estamos tratando aqui é aquele exemplificado de forma clara na história reescrita por Disney, quando Pinóquio diz: – Quero ser um menino de verdade!
Nas últimas décadas o motivador do casamento deixou de ser a construção de uma família; nesse mesmo período as exigências econômicas fizeram com que pai e mãe se tornassem responsáveis pela provisão das finanças domésticas. As crianças, com isso, passaram a conviver a maior parte do tempo com terceiros, o que por si só não indica um problema, mas diante de limiares críticos, pode gerar o sentimento de não ser reconhecido, e a consequente ansiedade que desencadeia respostas inadequadas (impulsividade, emotividade elevada, distúrbios de atenção entre outras), e essa tradução do desejo de reconhecimento pelo de ser rico e famoso. Ser rico e famoso gera “reconhecimento”; “resolve” todos os problemas!
Vamos pedir a ajuda ao Pinóquio para nos esclarecer melhor esse ponto. Pinóquio foi feito com muito amor e de forma primorosa pelo Gepeto. O velhinho ficou, também, muito feliz quando Pinóquio deixou de ser apenas uma marionete e obteve, da fada, a graça de ter movimentos autônomos. Por que então Pinóquio não estava satisfeito com tudo isso que havia conquistado? Por quê queria mais; queria ser de verdade? Porque Gepeto queria um filho e Pinóquio, diante desse desejo do pai, se sentia um filho de mentira.
Ser rico e famoso era a forma como Pinóquio tentava compensar Gepeto por não ser um menino de verdade, e conseguir, então, ser reconhecido por ele.
A expectativa dos pais não é apenas positiva mas propulsora do crescimento dos filhos. Mesmo na vida intra-uterina, o afeto materno e a voz da mãe, trocando confidências com seu futuro bebê, mobiliza a vida que se inicia. É fundamental, no entanto, que essas expectativas sejam congruentes com o sentimento de gratificação pela existência desse filho. A incongruência é o que pode significar o limiar crítico para o surgimento da ansiedade e a ordem social atual não contribui muito para que haja a congruência.
O restante desse código só entrevemos na história do Pinóquio mas se escancara nas manchetes dos jornais. Sentimento de não corresponder às expectativas > sentimento de não ser parte > ansiedade > impulsividade > desorganização atitudinal > vínculos indesejáveis > atitudes destrutivas (se não consegui ser aceito, por meu lado também não vou aceitar).
Vemos o resultado disso sem muita dificuldade em adolescentes mas, observe alguns adultos!
Comentário
Nenhum comentário.